O sistema de ensino
em Portugal

Uma questão<br>de toda a sociedade

Eugénio Rosa

A questão do sistema de ensino em Portugal, dos seus resultados e do contributo que dá ou deve dar para o desenvolvimento do País, para o combate às desigualdades, não é uma questão que seja apenas da competência e interesse dos professores, dos alunos e dos pais dos alunos, que só a eles diga respeito e que só eles têm competência para debater. É uma questão, a meu ver, que interessa a toda a sociedade portuguesa, que é também da sua competência e que, por isso, ela deve debater.

O nível de escolaridade da população empregada aumentou fundamentalmente à custa do despedimento maciço dos trabalhadores com baixa escolaridade. Foram estes os mais atingidos com despedimentos pela crise e pela política de austeridade

LUSA

Image 20513


E isto por várias razões. Em primeiro lugar, porque o crescimento e o desenvolvimento do País e, consequentemente, o bem-estar de todos os portugueses, depende muito da sua qualificação e a base desta é sem dúvida o seu nível de escolaridade. O próprio «Programa Nacional de Reformas» do Governo PS reconhece que «subsiste o défice estrutural de qualificações da população portuguesa (55% dos adultos entre 25-64 anos não completaram o Ensino Secundário – pág. 13), e isto 41 anos depois do 25 de Abril e da existência da Escola Pública. Em segundo lugar, porque o sistema de ensino é financiado com os impostos pagos por todos os portugueses. E em terceiro lugar, porque enquanto o sistema produzir desajustamentos entre o nível de escolaridade que dá à maioria dos portugueses e aquela que é necessária para obter um emprego digno, são ainda os impostos e as contribuições pagas pelos portugueses que apoiam aqueles que não conseguem encontrar trabalho, ou então que pagam a requalificação para obter saberes que o sistema de ensino não deu.

É evidente que não é só o sistema de ensino a causa do elevado desemprego existente, mas o que é também evidente é que a baixa escolaridade é um obstáculo ou à manutenção do emprego ou à obtenção de um novo emprego na atual fase do capitalismo, com a globalização capitalista e com a crise, correndo atualmente os trabalhadores de baixa escolaridade o risco sério de serem excluídos do mercado de trabalho. Quem tenha tido experiência das «Novas Oportunidades» sabe bem que não é com um programa desta natureza que se resolve o défice estrutural dos saberes adquiridos no sistema de ensino (só atamanca e ajuda a compor as estatísticas – mais de 100 000 diplomas do 12.º ano foram assim dados).

É não esquecendo tudo isto que interessa refletir, a meu ver, sobre o sistema de ensino em Portugal, sobre os seus resultados e sobre as frequentes alterações a que tem sido sujeito ao longo dos anos, nomeadamente quando mudam os governos.

Sistema não aumentou
nível de escolaridade

A linguagem fria e objetiva dos números oficiais divulgados pela OCDE (Quadro 1) é a mais apropriada para chamar a atenção para as consequências de um problema grave que por vezes é esquecido quando se debate os problemas do sistema de ensino do País.

Em 1991, 86 por cento da população adulta portuguesa tinha apenas o 3.º ciclo do Ensino Básico ou menos, enquanto na Grécia essa percentagem era de 49 por cento, na Espanha de 78 por cento, na Itália de 72 por cento, na Irlanda de 72 por cento, na França de 49 por cento, na Suécia de apenas 31 por cento e nos países da OCDE era de 45 por cento. Entre 1991 e 2007, portanto, em 16 anos, Portugal reduziu a percentagem da população com o 3.º ciclo básico ou menos para apenas 72 por cento, ou seja, somente em 16 por cento, enquanto os outros países que já tinham, em 1991, uma percentagem mais baixa do que Portugal conseguiram uma redução maior: Grécia: -18 por cento; Espanha: -37 por cento; Itália: -33 por cento; Irlanda: -40 por cento; França: -37 por cento; Suécia: - 48 por cento; países da OCDE: -33 por cento.

Em 2014, a percentagem da população adulta em Portugal com o 3.º ciclo do Ensino Básico ou menos era ainda, segundo a OCDE, de 57 por cento, uma percentagem muito superior à média dos países da União Europeia e da OCDE (em ambos, era apenas 21%). No entanto, como vamos mostrar isso foi conseguido fundamentalmente à custa da expulsão do mercado de trabalho dos portugueses com baixa escolaridade.


Menos escolaridade
mais desemprego

O Quadro 2, com dados do INE, mostra uma realidade que é esquecida quando se fala do emprego e desemprego em Portugal, e da destruição de postos de trabalho durante o período da crise e da política de austeridade recessiva da troika e do governo do PSD/CDS. Ele prova também a grande mentira da direita quando afirma que a sua política de austeridade poupou os mais desprotegidos e de rendimentos mais baixos.

Entre 2007 e 2015, o emprego diminuiu em Portugal em 621 000, ou seja, foram destruídos 621 000 postos de trabalho. No entanto, o emprego de trabalhadores de baixa escolaridade, ou seja, com o 3.º ciclo do Ensino Básico ou menos, reduziu-se em 1 378 000 (-37,6%), ou seja, 2,2 vezes superior à destruição que se verificou de emprego. Portanto, o nível de escolaridade da população empregada aumentou fundamentalmente à custa do despedimento maciço dos trabalhadores com baixa escolaridade. Foram estes os mais atingidos com despedimentos pela crise e pela política de austeridade. A maioria destes foram excluídos definitivamente do mercado de trabalho devido à sua idade e ao seu baixo nível de escolaridade e de competências. É também por isto que afirmamos que o sistema de ensino não está a responder às necessidades de desenvolvimento do País. 

Como não se verificou uma alteração significativa no perfil produtivo da economia portuguesa durante este período, postos de trabalho ocupados anteriormente por trabalhadores de baixa escolaridade foram ocupados ou por trabalhadores com o Ensino Secundário ou Superior. Daí que, apesar de uma destruição maciça de postos de trabalho entre 2007 e 2015, o emprego de trabalhadores com o Ensino Secundário tenha aumentado em 45,9 por cento (+357 000), e os com o Ensino Superior em +54,6 por cento (+400 000). As entidades patronais aproveitaram a crise para expulsar das empresas os trabalhadores mais velhos e com baixa escolaridade, substituindo-os por trabalhadores mais novos e com um nível de escolaridade mais elevada, embora pagando remunerações mais baixas, como revelam os dados divulgados pelo Ministério da Economia (entre Out. 2011 e Out. 2014, a remuneração média mensal no País diminuiu de 971,5 euros para 947 euros, segundo o Boletim Estatístico do GEP-Ministério da Economia).

Apesar do atraso do País quanto ao nível de escolaridade, os sistema de ensino, da investigação e da ciência foram os setores mais atingidos, aqueles em que a destruição foi maior, pela política de austeridade da troika e do governo PSD/CDS, como mostram os dados divulgados pelo próprio Ministério das Finanças e da Administração Pública.

Entre 2011 e 2015, o total de trabalhadores da Função Pública foi reduzido pelo governo em 69 064 (-9,5%), e na Administração Central a redução foi de 49 500. No entanto, 53,8 por cento destes 49 500 foram nos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e no Ministério da Educação. Neste período de troika e de governo PSD/CDS a redução de professores atingiu 23 347 (o que corresponde a 47,2% da redução de trabalhadores verificada na Administração Central), e a redução de pessoal não docente, fundamental para o funcionamento das escolas, foi superior a 2000. Para a troika e para o governo PSD/CDS, o ensino, a educação e a ciência e os seus trabalhadores foram os inimigos principais.

Um debate necessário

O Quadro 4 mostra a evolução da despesa pública com a educação, Ensino Superior, ciência e tecnologia no período 2012-2016 de acordo com dados fornecidos pelo governo aos deputados aquando da aprovação dos orçamentos do Estado de 2013/2016.

Em 2016, a despesa pública com o ensino e a ciência orçamentada nos programas «012 – Ensino básico e Secundário e administração escolar» e «013 – Ciência e Ensino Superior» (8144,5 milhões de euros) é inferior ao gasto em 2015 (8230,3 milhões de euros) em 85,8 milhões de euros, atingindo a redução no do «Ensino Básico e Secundário» 149,9 milhões de euros. No entanto, uma questão que não está esclarecida nos dados que foram entregues pelo Governo na Assembleia da República é se no valor de 2016 está incluída a verba para pagar a reposição dos cortes nas remunerações dos profissionais do ensino e da ciência, ou se o pagamento dessa reposição vai ser paga diretamente pelo Ministério das Finanças através de dotação provisional como o ministro informou a FENPROP. Se essa despesa não for paga diretamente pelo Ministério das Finanças ou se ela já estiver incluída nos valores anteriores que foram entregues na Assembleia República, então ao corte anterior ainda se tem de somar o necessário para pagar essa despesa. Mesmo que seja paga pelo Ministério das Finanças, o corte constante do Quadro 3 terá lugar em 2016.

É urgente que toda a sociedade debata o problema do sistema de ensino em Portugal e dos seus resultados pois é uma matéria que não interessa apenas aos professores e aos pais dos alunos, nem eles são os únicos interessados e competentes para o fazer.